John Newton era pastor de uma igreja crescente
em Olney, na Inglaterra, quando compôs a letra daquele que talvez seja o hino mais
conhecido até hoje – Amazing Grace (i.e., “Maravilhosa Graça”). Newton estava satisfeito naquele contexto de vida campestre.
Ele tinha uma esposa carinhosa ao seu lado, desenvolvia um bom ministério pastoral
e estava cercado de pessoas amáveis. Naquele momento, Newton desfrutava de uma
ótima vida. Mas, 25 anos antes, sua vida estava em ruínas.
Newton nasceu em
Londres no dia 24 de julho de 1725. Seu pai, um capitão de navio mercante, o
amava, porém era um homem severo e reservado. Por outro lado, a mãe de John era
uma mulher atenciosa e cuidadosa. Ela lhe ensinou as Escrituras – capítulos inteiros
da Bíblia de uma vez – bem como hinos e poemas. Infelizmente, a mãe de John Newton
morreu, duas semanas antes que ele completasse sete anos de idade, e, pouco tempo
depois, seu pai casou-se novamente.
Quando o novo casal
teve seu próprio filho, ambos deram mais atenção e carinho a este do que a John
Newton, de modo que John deixou-se levar pela companhia influente de garotos
pervertidos, aprendendo a andar nos sórdidos caminhos que eles trilhavam. Com a
idade de 11 anos, ele fez a primeira das cinco viagens marítimas na companhia
de seu pai, durante a qual rapidamente aprendeu a xingar e amaldiçoar com os melhores
marujos.
Entretanto, durante
os cinco anos que se seguiram, John se viu forçado a refletir seriamente sobre
a condição de sua alma. Certa feita faltou pouco para que John Newton embarcasse
num navio de guerra que levava a bordo um amigo dele. Mais tarde, todavia, ele
soube que aquele navio naufragara e que seu amigo, junto com vários outros tripulantes,
tinha morrido afogado.
Também foi nessa
época que Newton teve um sonho perturbador no qual ele jogava fora um anel que
representava toda a misericórdia que Deus lhe reservara. Essas experiências pesaram
de forma tremendamente condenatória na consciência de Newton e, por algum tempo,
impeliram-no a tratar as questões espirituais com mais seriedade. Contudo, passados
alguns dias, ele logo se esquecia daquilo que o levara à sobriedade e continuava
sua queda vertiginosa na espiral da perversidade. Newton afirmou: “Eu geralmente
considerava a religião como um meio necessário para se escapar do inferno; mas
eu amava o pecado e não estava disposto a abandoná-lo”.[1]
Aos 19 anos de
idade, Newton foi obrigado a se alistar como aspirante da Marinha para servir
no navio HMS Harwich. Passado algum
tempo, ele desertou, foi capturado, encarcerado, açoitado a bordo do navio, fustigado
com chicote de nove tiras, e rebaixado. Então Newton entrou em terrível depressão
e desespero, que o levaram, por vezes, a querer se lançar ao mar e a planejar
maneiras de assassinar o capitão que o humilhara. Entretanto, não demorou muito
para que a situação dele mudasse, quando o capitão de seu navio fez uma permuta
entre ele e marinheiros de um navio que estava preste a zarpar para a África
Ocidental à procura de escravos.
A Época no Tráfico de Escravos
Em meados de
1700, o tráfico de escravos era um negócio lucrativo. Mais de 100 mil escravos
foram trazidos para o Novo Mundo em navios ingleses.[2] William E. Phipps escreveu:
“No século XVIII, a média de mortalidade dos escravos durante o trajeto [da África
para algum porto no Caribe ou nos Estados Unidos, onde eram vendidos] em navios
ingleses era de aproximadamente quinze por cento”.[3] Cerca de 15 mil escravos
africanos morreram a bordo de navios ingleses nessa época.
Em seu novo ambiente,
Newton não fez absolutamente nada para ser benquisto pelos oficiais do navio. Ele
compôs uma cantiga de escárnio para ridicularizar o capitão do navio e a ensinou
para a tripulação inteira. Após capturar uma lucrativa quantidade de escravos,
Newton ganhou a permissão de ficar na África, ao longo da costa da Guiné, onde
trabalhava para um traficante de escravos inglês que vivia com uma amante africana.
Essa mulher não gostava de Newton. Quando Newton contraiu malária, ela o tratou
cruelmente, com insultos e subnutrição para que morresse de fome.
Tempos depois,
Newton foi injustamente acusado de roubar o traficante inglês. Ele ficou acorrentado
com cadeias no convés do navio daquele homem e foi mantido com pouca comida, água
e roupa. Na verdade, ele se tornou escravo daquele homem e, por ironia do destino,
recebeu o mesmo tratamento com o qual eram tratadas as pessoas que tinham sido
escravizadas com a ajuda dele.
Esse tormento durou
um ano, até que Newton convencesse seu dono a cedê-lo para um outro traficante
de escravos. Seu novo senhor tratou-o com bondade e o colocou na supervisão das
“feitorias” (prisões para escravos localizadas nos portos).
Apesar dos olhos
vigilantes de seu antigo senhor traficante de escravos, Newton conseguiu enviar
algumas cartas para seu pai, nas quais pedia socorro. Certo dia, um navio mercante
denominado Greyhound [i.e., “cão pernalta
e veloz”] chegou onde Newton estava. Ele fora enviado àquele lugar por ordem do
pai de John Newton. A princípio, Newton hesitou em deixar seu negócio que a essa
altura já era lucrativo, mas, por fim, concordou em voltar à Inglaterra. Newton
foi mantido cativo na África por 15 meses ao todo.
A bordo do Greyhound em sua viagem de volta, Newton
demonstrou ser o homem mais profano e devasso do navio. Certa noite, ele estava
tão bêbado, que quando seu chapéu caiu no mar pela força do vento, se outro marujo
não o agarrasse pela roupa, ele teria se lançado nas águas em busca do chapéu.
Mais tarde naquela
viagem, Newton folheou um dos poucos livros que havia a bordo – Imitation of Christ [i.e., “Imitação de
Cristo”]. Newton começou a ler esse livro como um mero passatempo, mas, depois,
passou a se perguntar o que lhe aconteceria se aquilo que nele estava escrito
fosse verdade. Ele ficou com medo e fechou o livro.
Atingido Pela Tempestade
Naquela noite de
21 de março de 1748, uma violenta tempestade se abateu sobre o navio, que por
pouco não afundou. Homens, animais e provisões foram arrastados pela força das águas
e caíram no mar. Newton orou a Deus pela primeira vez depois de anos. Ele temia
estar à beira da morte e, se a fé cristã fosse verdadeira, estava certo de que
não seria perdoado. John refletiu em tudo o que fizera naqueles últimos anos,
inclusive a atitude de zombar dos fatos históricos do Evangelho, e ficou abalado.
Passados quatro dias,
a tempestade diminuiu. Pela providência de Deus, a cera de abelha, que se encontrava
no porão de carga, ajudou que o navio continuasse a flutuar. Newton atribuiu a Deus
aquele livramento que tiveram. Ele começou a ler o Novo Testamento com mais interesse.
Quando chegou à passagem de Lucas 15, John percebeu os impressionantes paralelos
entre a sua vida e a vida do filho pródigo.
O navio ficou à
deriva por um mês. Os suprimentos se esgotaram. O capitão culpou a blasfêmia de
Newton como a causa dos problemas que enfrentavam e cogitou a hipótese de jogá-lo
ao mar, à semelhança de Jonas. O navio avariado finalmente conseguiu seguir seu
rumo para a Irlanda do Norte, a tempo de não ser apanhado por um vendaval que
começava a ocorrer. Newton reconheceu que Deus respondera sua oração.
Ao chegarem em
terra firme, Newton tomou a decisão de não mais xingar e blasfemar. Ele chegou
a voltar para a igreja. Entretanto, ainda não era um crente em Jesus. Mais tarde
ele declarou: “Penso que aquele foi o início de meu retorno para Deus, ou antes,
o retorno dEle para mim; contudo, só
considero que vim a ser crente em Cristo (no sentido pleno da palavra crente) muito tempo depois daquele momento”.[4]
Regenerado Pela Fé
Naquela noite de 21 de março de 1748, uma violenta tempestade
se abateu sobre o navio, que por pouco não afundou. Newton orou
a Deus pela primeira vez depois de anos.
Daquele momento
em diante, a vida de Newton mudou gradativamente. No começo, como acontece com
a maioria dos crentes, ele não percebia todas as áreas de sua vida que precisavam
ser transformadas pela graça de Deus.
Por exemplo, por
cinco anos, ele enfrentou lutas quanto à certeza de sua salvação. Todavia, através
do encorajamento dado por outro capitão de navio, que também era crente em Cristo,
as dúvidas foram vencidas, conforme Newton declarou: “Eu comecei a entender
[...] e a ter esperança de ser preservado e salvo, não por meu próprio poder e
santidade, mas pelo imenso poder e promessa de Deus, através da fé num Salvador
imutável”.[6]
A mudança mais
evidente na vida de Newton se deu na área do tráfico de escravos. Um ano antes
de crer em Jesus Cristo, John Newton se tornou capitão de um navio negreiro. Nos
quatro anos seguintes à sua salvação, Newton realizou três viagens com o intuito
de buscar escravos na África e levá-los para serem vendidos no Caribe. Durante
essas viagens, Newton liderou sua tripulação em cultos de adoração e em momentos
de oração. Contudo, ele também foi forçado a sufocar rebeliões de escravos, chegando
a ponto de utilizar instrumentos de tortura para apertar polegares a fim de arrancar
confissões.
Mais tarde, Newton
se conscientizou de que o tráfico de escravos e sua participação nele eram algo
moralmente ultrajante e repulsivo. Ele afirmou: “a força do hábito, o exemplo e
o interesse [comercial] cegaram meus olhos”.[7]
A partir do momento
em que o Espírito Santo convenceu John Newton dos males e pecados envolvidos no
tráfico de escravos, ele passou a trabalhar incansavelmente para extingui-lo
num esforço de décadas. Ele foi orientador e conselheiro de um crente em Cristo
mais novo do que ele, chamado William Wilberforce, o qual atuou no Parlamento
Britânico. Wilberforce se tornou o mais notável e eficaz abolicionista da história
da Inglaterra. Alguns meses antes da morte de Newton, ocorrida em 21 de dezembro
de 1807, o Parlamento Britânico aprovou o Decreto da Abolição do Tráfico de Escravos,
o que muito alegrou Newton.
A Ternura da
Graça
Antes de experimentar
a graça salvadora de Deus, John Newton não tinha o menor receio de xingar e proferir
palavrões quando relampejava, de blasfemar contra o Deus do céu, de zombar da
Bíblia, de ridicularizar a consagração a Deus, de se envolver em atos depravados,
nem o mínimo escrúpulo de comprar e vender seres humanos como se fossem objetos
ou mercadorias.
Entretanto, John Newton mudou completamente após a sua conversão. Mais tarde, ele se tornou pastor e exerceu o ministério pastoral por 23 anos, sempre salientando em seus sermões o tema da graça de Deus. Ele compôs e publicou centenas de hinos, inclusive o hino intitulado How Sweet the Name of Jesus Sounds [que traduzido quer dizer: “Quão doce soa o nome de Jesus”] (um nítido contraste com a época blasfema de sua vida pregressa), bem como demonstrou incessante hospitalidade em sua casa.
Ele manteve comunhão com alguns dos mais notáveis nomes do avivamento evangélico na Inglaterra, tais como George Whitefield e John Wesley; ensinou e encorajou pessoas influentes como o grande missionário William Carey, o poeta William Cowper, e o abolicionista William Wilberforce; além disso, tornou-se um dos maiores defensores do fim da escravidão na Grã-Bretanha.
Como explicar tamanha transformação na vida de um homem? Semanas antes de sua morte, já velho e debilitado, Newton explicou: “Minha memória praticamente se foi; mas ainda consigo me lembrar de duas coisas: que eu sou um tremendo pecador e que Cristo é um tremendo Salvador”.[8]
Notas:
- Richard Cecil, The Works of the Rev. John Newton, 3ª ed., vol. 1, 1824; reimpressão, Carlisle, PA: The Banner of Truth Trust, 1985, 1:4.
- William E. Phipps, Amazing Grace in John Newton: Slave-Ship Captain, Hymnwriter, and Abolitionist, Macon, GA: Mercer University Press, 2001, p. 63.
- Ibid., p. 60.
- Cecil, p. 33.
- Ibid., p. 37.
- Phipps, p. 66.
- Ibid., p. 202.
- Ibid., p. 238.
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